CRIANÇA!

 

Com oito anos, ela aprendeu a fazer de farelo, festim.
O que sobrava, ela fazia parecer jardim.
Aceitava o pouco como se fosse tudo,
porque tudo, pra ela, sempre vinha mudo.

O herói da sua história? Um vulto.
Prometia presença, entregava insulto.
Era pai no papel, mas no peito, ausência —
deixando no colo dela o peso da sentença.

Ela cresceu entre nomes que nunca eram o dela.
Entre vozes, sumia — entre afetos, não cabia.
Ficava pra trás sem causar alarde,
como quem já sabia que amor não era pra sua idade.

Entre risos e bênçãos, ela sorria,
não por achar graça, mas por cortesia.
Aprendeu cedo a ser boa companhia,
mesmo quando o mundo só lhe servia antipatia.

Se não dava pra ser amada com devoção,
ao menos dava pra manter a educação.
Fez da humilhação um tipo de oração —
baixava a cabeça, mas nunca o coração.

E quando ele — aquele que devia ser lar —
esticou a mão como quem ia ficar,
ela deu a bênção com o rosto aceso,
achando que enfim fazia parte do enredo.

Depois disseram: “foi insistência da mulher.”
Não foi escolha. Não foi vontade. Foi qualquer.
E a menina, que tinha acreditado no gesto,
percebeu que até a migalha tinha preço.

Ela seguiu, brincando com a dor,
fazendo castelo com o que sobrou.
Falava pouco, sonhava em dobro,
tinha o olhar de quem já não espera socorro.

Cresceu colecionando promessas partidas,
cartas rasgadas, janelas semi-abertas.
Virou adulta com um grito engolido,
com o corpo inteiro pedindo abrigo.

Agora escreve o que nunca disse,
o que o silêncio da infância omitiu.
Não há cura, nem final feliz —
há só o que restou, e o que ninguém viu.

E se perguntarem por que ela não acredita em recomeço,
ela vai rir — daquele jeito seco, sem endereço.
Porque aquela criança de oito anos ainda vive:
quieta, faminta, e sem saber por que não serve.


MaryIsLu.




Comentários

Postagens mais visitadas